quarta-feira, 18 de maio de 2016

GUERRA DE GÊNERO: Crimes de ódio matam 13 mulheres por dia no Brasil; Entenda o Feminicídio

“Toda mulher tem o direito moral de se empoderar”, o esclarecimento é utilizado como ferramenta pelo Núcleo Especializado na Defesa da Mulher (Nudem), que pertence à defensoria pública. Apesar de denominado na década de 70, o crime de ódio – discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres, que, na sua forma mais trágica culmina na morte é pouco usual. Quando uma mulher é morta brutalmente pelo seu parceiro ou ex-parceiro denomina-se erroneamente “crime passional”, o que sugere emoção no ato, beneficiando o agressor.
Em 2013 foi criada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013). A Lei do Feminicídio nº 13.104/2015, criada em 9 de março, que qualifica o homicídio contra uma mulher levando a motivação do ato por uma questão de gênero (quando uma pessoa mata uma mulher simplesmente por ser mulher, considerando o desprezo, ódio, situação de subserviência ao homem). “A pena é igual a de crime de homicídio de 12 a 30 anos, mas a tipificação reforça a importância de alertar a população de que muitas mulheres estão morrendo pela misoginia no Brasil”, explica a defensora pública do Nudem, Dra Viviane Luchini.
No Brasil o tipo de feminicídio mais recorrente é o íntimo, “é precedido da violência doméstica, seja ela física, psicológica, moral, patrimonial ou sexual. A Maria da Penha (Lei nº 11.340) aponta esse ciclo de violência que caracteriza o feminicídio. Tudo isso vem de uma herança patriarcal que carregamos até hoje. A ideia de que o homem é controlador, dominador e o machismo enraizado é que provoca o ódio”, contextualiza Dra Viviane Luchini.
MAPA DA VIOLÊNCIA:
Com uma taxa de 4,8 assassinatos em 100 mil mulheres, o Brasil está entre os países com maior índice de homicídios femininos: ocupa a quinta posição em um ranking de 83 nações, segundo dados do Mapa da Violência 2015.
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Dados do Dossiê – Violência Contra as Mulheres. Arte: Nestor Carrera / Aratu Online
“Essa situação equivale a um estado de guerra civil permanente.”
Lourdes Bandeira, socióloga, pesquisadora e professora da Universidade de Brasília.
Entre 100 municípios com mais de 10.000 habitantes do sexo feminino (com as maiores taxas médias de homicídio de mulheres/100 mil), três municípios baianos aparecem na lista: Mata de São João (7º), Pojuca (9º) e Itacaré (10º). O estado fica com a 12ª posição no ranking, segundo o Dossiê.
CASOS DE FEMINICÍDIO ÍNTIMO:
Recentemente três casos em um curtíssimo intervalo de tempo chocaram a Bahia. Jéssica Nascimento, 21 anos morreu após ser espancada pelo namorado em Vitória da Conquista, na quarta-feira (10/5). “No caso de Jéssica o agressor foi indiciado por lesão seguida de morte, a depender dos atos que ele empreendeu na agressão contra ela, talvez ele já tivesse a intenção de morte. Aí não é mais lesão seguida de morte, é feminicídio”, pontua a defensora pública.
Sandra Denise Costa Alfonso, 40 anos foi assassinada a sangue frio pelo marido dentro da escola em que trabalhava na última sexta-feira (13/5). “Temos interesse em conversar com a família de Sandra para saber se eles querem nossa intervenção no caso, nós temos interesse nele. A questão base é a discriminação do sexo feminino, de desprezo contra a mulher. Isso acontece muito em final de relacionamento quando o homem perde o controle sobre ela. Depois da morte a gente investiga o histórico do casal, aí na investigação a gente consegue caracterizar”. Diz Luchini.
A Lei do Feminicídio é recente, casos emblemáticos como os de Eloá. Em 2008, Lindemberg Alves Fernandes não aceitou o fim do relacionamento com a jovem e invadiu a casa de Eloá, manteve a vítima em cárcere privado por quase cinco dias, após cem horas de negociação com a polícia a jovem de 15 anos foi morta pelo ex-namorado de 22 anos. Elisa Samúdio assassinada brutalmente em 2010 a mando do ex-goleiro do Flamengo e ex-affer da vítima. Poderiam ter sido enquadrados dentro do feminicídio devido às características claras de ódio.
“Esses tipos de homicídios acabavam como tese de defesa do agressor a emoção. A justificativa era que ele acabava tendo uma reação a uma emoção e isso acabava dando um privilégio que leva a redução da pena, um bônus pela ação criminosa”, conta.
CICLO DE VIOLÊNCIA:
A Dra Viviane Luchini explica que a mulher vive em um ciclo de violência difícil de sair. “As agressões começam com xingamentos, ofensas, depois parte para a agressão física, um puxão de cabelo, tapas até causar lesões corporais. O que aprisiona a mulher além dos motivos emocionais e outros tantos é o momento em que o agressor pede desculpa e a mulher acredita. Passado um período o ciclo reinicia até que a mulher não aceite, passamos para a fase de ameaças até chegar no fim trágico: Feminicídio”, explica.
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Arte: Nestor Carrera / Aratu Online
JULGAMENTO DA VÍTIMA:
Segundo a defensora pública, Viviane Luchini, não há preparação dos operadores do direito no tribunal de júri, onde são julgados os casos de feminicídios e outros crimes dolosos – aquele em que a pessoa tem intenção de causar prejuízo a alguém, neste caso a morte.
“Estes profissionais não tratam a Lei Maria da Penha. Levar o discurso de gênero é o nosso desafio, tirar o feminicídio da invisibilidade, porque conseguir enquadrar este qualificador é muito difícil por conta do machismo secular dentro dos tribunais”, avalia.
A defensora aponta que as cenas mais comuns nos julgamentos são de debates machistas de que a mulher estava na rua até tarde, como se isso justificasse sua morte, segundo Viviane Luchini é uma forma de culpar a vítima pelo crime que sofreu.
“Lá aparecem perguntas do tipo, “mas ela era uma boa mãe?”. Eu fico pensando, o que isso tem a ver? “Ela tava em casa no horário certo? “Eles fazem esses tipos de perguntas horríveis para a mulher, nos casos em que elas ainda estão vivas para responder”, lamenta.
PERFIL DA VÍTIMA: 
A cada 1h30 uma mulher é morta no Brasil, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), realizada em 2013. Geralmente as vítimas são jovens, negras e de baixa renda, mas o crime também acontece em outras esferas sociais.
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Fonte: Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil (Flacso/OPAS-OMS/SPM, 2015). Arte: Nestor Carrera / Aratu Online
O infográfico acima aponta os números de mortes por etnia. A taxa de homicídio de mulheres negras é de 5,4 e brancas 3,2 por cada 100 mil.
Nos anos de 1980 e 2013, 106.093 brasileiras foram vítimas de assassinato. Somente em 2013, foram 4.762 assassinatos de mulheres registrados – ou seja, aproximadamente 13 homicídios femininos diários.
REVITIMIZAÇÃO:
A Deam foi criada para evitar os constrangimentos das vítimas de violência. “Infelizmente recebemos muitas críticas nos atendimentos das Deams. Seja por falta de estrutura ou de profissional especializado”, reconhece.
As mulheres se sentem revitimizadas “porque os agentes perguntam coisas do tipo “tem certeza que é isso mesmo?”e realmente o atendimento das Deams são bastante criticados”, finaliza Viviane.
A lei Maria da Penha prevê a humanização do atendimento e pessoal especializado, neste caso é necessário um investimento na capacitação, a preferência de que as mulheres sejam atendidas por outras mulheres e nas Deams ainda há uma participação de muitos agentes homens e as vítimas se sentem constrangidas. “Aqui é só mulher, até os estagiários eu tenho preferência que seja do sexo feminino”, revela.
REDE DE PROTEÇÃO:
O passo inicial para mulheres em situação de violência é procurar uma Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), são duas unidades em Salvador. Rua Padre Luiz Figueira, 180 – Engenho Velho de Brotas, Salvador – BA e Rua Eugênio Sales, Largo do Barreiro – Periperi, Salvador – Ba. De acordo com a delegada da DEAM de Periperi, Dra Vânia Matos, de janeiro até maio foram registradas 830 ocorrências, as mais comuns são: lesão corporal, ameaça e injúria. Por mês, em média são realizados 100 atendimentos no serviço social. “Depois do registro da ocorrência nós encaminhamos o inquérito e a partir daí não há acompanhamento do desfecho do caso”, conta a delegada.
Após o registro na Deam, a vítima deve ir até o Núcleo Especializado na Defesa da Mulher (Nudem) com o registro de ocorrência em mãos. A partir disso a defensoria entra com o pedido de ação de medida protetiva de urgência.
Segundo a defensora pública as medidas protetivas garantem o afastamento do agressor, “ele fica proibido de se aproximar menos de 500m da vítima, fica proibido de frequentar os mesmos lugares que a vítima esteja. Proibido de manter qualquer contato, seja por telefone ou por meio de terceiros, afastamos ele da vida dela. Se houver outras medidas podemos aplicar, é como se a gente criasse uma bolha (de proteção) nela. O que garante o afastamento é a medida judicial, o descumprimento tem como consequência a prisão”.
O núcleo cuida de todos os procedimentos, como o processo de divórcio, divisão dos bens, regulariza a guarda das crianças e as visitas. “Infelizmente nós não temos tornozeleiras para monitorar, outros estados já utilizam, inclusive dispõe de aplicativos, mas nosso estado ainda não tem. Daí cabe a vítima nos trazer a informação se ele se aproximou ou não”, afirma.
“A gente tem a Ronda Maria da Penha, criada para fazer proteção as mulheres que tem medida protetiva, a ronda faz 4 ou 5 visitas de surpresa para ver qual a situação dela”, afirma Luchini.
“O que estamos esperando é a Casa da Mulher Brasileira, já foram inauguradas no Mato Grosso do Sul e outra em Brasília que funciona como um SAC para atendimento da mulher em situação de violência. Ali tem tribunal de justiça, MP, DEAM, acolhimento provisório, cela para o agressor, entre outros serviços de acolhimento. Estávamos para receber a nossa este ano, mas a empresa que ganhou a licitação faliu e agora estamos esperando”, diz.
CENTRO DE REFERÊNCIA LORETA VALADARES:
O trabalho de atenção se dá através do atendimento nas áreas social, psicológica, jurídica, pedagógica e de telerorientação, além do acolhimento pedagógico dispensado aos filhos destas mulheres. Elas recebem atendimentos individualizados, terapêuticos, sempre visando o seu fortalecimento para o enfrentamento a violência vivida.
Os atendimentos não oferecidos pelo Centro são supridos através dos encaminhamentos a outros serviços, garantindo-se, sempre, o acompanhamento e monitoramento do percurso dessas mulheres dentro da Rede de Atenção.montagem-940x400

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